Destaquei em outros momentos que, no Brasil, as políticas e as visões dominantes sobre a agricultura familiar e a pequena produção familiar rural foram historicamente conformadas pela ideologia de subsistência, com base na ideologia nas relações sociais da morada de favor do Nordeste açucareiro. A morada de trabalhadores no interior das plantações de cana-de-açúcar era tratada como um favor que as elites agrárias da época faziam ao trabalhador rural. Esta concessão, de um lado, não reconhecia os direitos trabalhistas e, de outro, garantia a fixação de trabalhadores nas plantações. As relações sociais de trabalho da morada e também do colonato do café, em São Paulo, envolviam o trabalho no produto principal – cana ou café – e viabilizavam a parceira na produção de alimentos básicos – arroz, feijão, aipim etc. – fundamentais à alimentação desta população. Esta origem da economia de alimentos no interior dos grandes setores econômicos levou a produção de alimentos a ser tratada como sendo uma atividade de subsistência e os agricultores familiares a ela vinculados – os moradores-parceiros acima referidos e a agricultura realizada por pequenos proprietários independentes, por posseiros etc. – a serem denominados de agricultores de subsistência.
Dada tal origem, estes agricultores são vistos, na ideologia dominante, como incapazes do progresso econômico e social. No nível mais geral de formulação de política, esse setor foi sempre considerado como aquele para o qual as políticas agrícolas deviam evitar que sucumbissem, conservando sua precária condição produtiva e mantendo as condições de subsistência da família. Essas políticas, portanto, nunca viabilizaram um impulso de progresso econômico e social significativo. As benesses da política agrícola, como foi o caso do crédito agrícola altamente subsidiado da Revolução Verde no Brasil, sempre foram dirigidas às próprias elites do mundo rural.
Essa ideologia foi naturalizada e a busca pela subsistência passou a ser vista, assim, como uma condição natural dos pobres do campo. Neste processo, as políticas para esse setor tendem sempre a assumir a forma de assistência social, por muitos denominadas de programas de subsistência, longe de constituirem-se em políticas de progresso e ascensão social.
As novas políticas para a agricultura familiar tendem, de fato, a romper com essa postura das elites brasileiras?
Recorde-se apenas que vários atores sociais e vários analistas têm falado destas políticas como sendo políticas de cunho social.
A vivência histórica dessas precárias condições de produção e de competição no mercado, impõe, atualmente, aos agricultores familiares brasileiros a necessidade de procurarem diversificar as fontes de renda familiar. Para estabilizarem suas condições de vida eles recorrem à realização simultânea de atividades rurais e urbanas – membros da família com emprego urbano, pequenos comércios, como as bodegas etc.; diversificam as atividades familiares – artesanatos, conservas caseiras, turismo rural etc.; recorrem ao emprego agrícola fora da propriedade familiar – assalariamentos esparsos e sazonais, pequenos arrendamentos e parcerias em terras de terceiros. Observa-se ainda a busca de associações econômicas e cooperadas para fortalecimento de sua posição nos mercados – as diversas formas de cooperação no comércio, na produção e no processamento industrial e manufatureiro; a luta para obter aposentadoria para membros da família – importante fonte de estabilização da renda familiar rural; e, por fim, a diversificação produtiva e a busca de produções agroecológicas, orgânicas e naturais, estas associadas a nichos de mercado e à onda ambientalista contemporânea.
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Não consigo visualizar uma ascensão dos agricultores familiares ao progresso econômico e social sem significativas e profundas reformas na propriedade da terra, no acesso aos benefícios das políticas governamentais e no reconhecimento da cidadania plena aos trabalhadores e desempregados do espaço rural.
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Cabe apenas destacar que entra em ação uma maior amplitude de interesses, sendo menor, portanto, a possibilidade de campos de cooperação com base em consenso. Esta amplitude de interesses tende a valorizar a disputa política local que, por sua vez, garante vantagem relativa aos grupos e setores sociais com maior densidade de poder, de capital econômico e simbólico e de maior expressão política.
Para mudanças em direção a uma maior eqüidade social, é necessário que estes espaços sejam ocupados por representações da agricultura familiar e dos setores sociais comprometidos com a reforma agrária e a democratização econômica e social do espaço rural brasileiro. Este é o nosso desafio atual.
MOREIRA, R. J. Críticas ambientalistas à Revolução Verde. Estudos Sociedade e Agricultura, 15 (39-52), outubro 2000.
http://www.ufrrj.br/leptrans/5.pdf
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