domingo, 5 de outubro de 2008

Fetichismo Acadêmico

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Há termos críticos, até jocosos, que designam esta ordem de questões éticas diante do fenômeno de proliferação na literatura científica. Alguns mais conhecidos, como “ciência-salame”: uma pesquisa é fatiada em unidades menores publicáveis para se tornarem vários artigos distribuídos em diferentes revistas. Outros menos comuns como “publicacionismo” e “produtivite” começam a ser utilizados para designar tal quadro.


Em outras palavras: um mesmo conteúdo pode aparecer em vários artigos, após receber pequenas mudanças cosméticas. A autocitação pode constituir-se no chamado “autoplágio”. Já há revistas que solicitam na declaração que se costuma fazer na entrega dos originais um item especificando não se tratar de publicação redundante. Outro aspecto importante seria se o artigo traz algo ao conhecimento ou à discussão científica, isto é, se é pertinente, relevante e “revelante”.



As questões éticas na pesquisa científica não são de forma alguma negligenciáveis. Em termos mais específicos, pode haver vários tipos de má-conduta e fraudes no meio científico, como o gerenciamento dos protocolos, amostragens e dos dados em geral. Ademais, há um crescente aumento de autores por artigo, significando mais do que o suposto aumento dos integrantes dos grupos de pesquisa, mas sim a possível prática de “escambo autoral” (meu nome no teu artigo, teu nome no meu artigo etc.).



A própria presença do plágio se torna algo mais praticável e difícil de ser percebido – ainda que sejam “microplágios” –, viabilizados pela cópia de trechos de textos disponíveis na Internet. Não parece ser incomum a prática de autores, ao utilizarem uma determinada referência consultada e indicada no próprio artigo destes autores, também citarem outra(s) referência(s) presente no artigo citado como citação de seu próprio artigo, sem haver a consulta específica de tal referência. Sem dúvidas, a tarefa de editar revistas científicas se tornou bastante complexa ao envolver intrincados e múltiplos aspectos éticos.



Cabe ainda assinalar que, ao lado do “publicacionismo”, convive-se com outro fenômeno acadêmico: o “citacionismo” – a grande importância do ato de citar outros autores e de ser-se citado em artigos –, que é em grande parte um efeito do êxito dos indicadores de impacto desenvolvidos pelo Institute for Scientific Information/ Thomson Scientific (ISI). Essa excessiva preocupação tornou-se, de certa forma, representativa do espírito de “avaliações rápidas” de nossos tempos modalizados na ambiência acadêmica. Aliás, a etimologia dos adjetivos latinos “citus, cita, citum” é emblemática ao indicar “posto em movimento”, “vivo”, “pronto”, “rápido”, “ligeiro”. É preciso produzir artigos que gerem citações, ou seja, que sejam publicados e tenham vitalidade para estarem presentes nas outras publicações.



CASTIEL, Luis David; SANZ-VALERO, Javier and RED MEI-CYTED. Entre fetichismo e sobrevivência: o artigo científico é uma mercadoria acadêmica?. Cad. Saúde Pública, Dec. 2007, vol.23, no.12, p.3041-3050. ISSN 0102-311X.


http://www.scielo.br/pdf/csp/v23n12/25.pdf


Vêm por aí, o Fetichismo Acadêmico II, III, IV e V.

2 comentários:

Pois é, a industria alimenticia direconada ao Lattes vem crescendo e a qualidade de trabalhos diminui na mesma velocidade. Mas ai temos que pensar nos verdadeiros culpados disso, as universidades que utilizam a quantidade em detrimento da qualidade, fato que podemos perceber inclusive na nossa universidade, que está para avaliar a produtividade de seus professores baseando-se em números, deixando a qualidade dos trabalhos em segundo plano. Nos resta então fazer uma escolha, produzo para melhorar meu curriculo ou para conseguir resultados que realmente sirvam para algo?(Pesquisa de anos para um reaultado que me agrade ou análise de fungos em temperaturas diferentes?)

Pois é rapaz.. este texto me lembra muitas facetas da nossa querida universidade.

"Outro aspecto importante seria se o artigo traz algo ao conhecimento ou à discussão científica, isto é, se é pertinente, relevante e “revelante”."
Acho que devemos ter cuidado ao analisar esta passagem. O artigo deve, sim, trazer um conhecimento pertinente. Isto é óbvio. Mas qual a lei regente universal que vai ditar se isto é pertinente ou não? O senso comum atual, voce me responde. ótimo. Mas lembrem-se que trabalhos como de Mendel e de muitos outros pesquisadores cairam na berlinda e nao foram aceitos pelo censo comum de suas respectivas épocas. Temos que ter cuidado com o "publicacionismo", contudo, devemos ter cuidado, também, com a crítica demasiada de pesquisas científicas, pois ao invés de nivelar por cima, vamos diminuir o número de produções científicas. Todos tem que começar. Todos tem que adquirir prática. É complicado chegar para um novato e pedir que faça um trabalho cinco estrelas. O sentimento de "eu sou prestativo" ou de "eu consigo fazer algo na vida" quando este querido colega iniciante publicar seu "artiguinho" vai ser ótimo para a construção de sua auto-confiança como pesquisador e pessoa.


Abraços

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