14 de janeiro de 2009 – quarta-feira
Bem cedo, uma senhora abraçada com uma garrafa de 2L contendo leite nos dá um bom dia e com uma cara de curiosa nos pergunta quem somos nós. Essa pergunta se deu, segundo ela, pois já estava rolando na cidade um boato que chegaram três rapazes durante a noite, e não sabiam quem eram , e nem de onde vinham. Esclarecida a dúvida, quase que instantaneamente após esta mulher ir embora, as pessoas na cidade mudaram completamente o olhar aos novos forasteiros. Achamos incrível como as informações (ou fofocas) se espalham pela cidade. Ainda pela manhã, conversamos com o Prefeito, que nos atendeu prontamente e ficou interessado nos colêmbolos e oligoquetas que poderíamos coletar. Conversamos sobre as expedições arqueológicas e andamento das mesmas, e ele prontamente nos revela que estava esperando maiores contatos, desta forma saímos da sala. Sem sucesso, esperando o prefeito nos oferecer o auxílio de transporte, voltamos à praça e ficamos no intenso zênite solar das 9 horas da manhã. Rienzy compra um baralho e começamos a nos entreter no inferno urbano ali localizado, onde temos companhia da ebriedade de Naldinho, um dos funcionários do município, que se torna insuportável quando bebe. Ficamos na praça e logo a notícia se espalhou que os três indivíduos que dormiram na praça estavam a espera de uma Paula, aquela brincadeira telefone sem fio deve ser análoga nestas horas. Estávamos a subir na Serra da Paula, mas como a Serra da Paula para eles é do Paulo, não sei se por machismo ou patriarcalismo, as fofoqueiras de plantão se apropriaram da notícia, embora não entendendo bem o que queríamos por lá. Logo avistamos pessoas queridas, e que lembraram de meu rosto por visitarem o Sítio Pinturas durante uma das expedições arqueológicas que participei. Somos recepcionados próximo ao meio-dia por Frô, uma das figuras mais conhecidas do Tigre. Recebemos convites para tomarmos café na casa de “vizinhos”, na casa de dona Frô e no entorno da praça, próximo à Igreja, onde percebemos a casa de apoio da prefeitura e a utilizamos para escovar os dentes. O triste foi saber que poderíamos dormir por lá, em acolchoáveis camas daquele recinto, aí o sentimento de culpa de dormir na praça fluiu, onde poderíamos ter ligado antes reservando nossa dormida por lá. Então, continuamos nossa tarde esperando a chegada de Karina às 14 horas, e ela finalmente chega depois de algumas escalas em Afogados, Monteiro (onde almoçou) e São Sebastião do Umbuzeiro. Vai com Rienzy que ainda não tinha almoçado, e lá recebo dicas de professores do município para pegarmos algum carro escolar para Santa Maria, distrito do Tigre, embora não seja ano letivo, carros podem ser fretados pela prefeitura que banca as despesas do transporte, e assim chegaremos ao pé da serra. Outra dica importante é conversar com Cidão e ele prontamente nos auxiliaria quanto às informações básicas do local. Eles pediam também para conversar com o Márcio, um dos secretários para liberar facilmente o transporte, e como dica serviu, tanto que conseguimos nossa ida pela prefeitura após uma conversa com ele. Chego animado no restaurante de dona Frô para contar a novidade ao restante do grupo, pois tinha ido sozinho conversar com o Márcio, e voltamos à prefeitura com nossos pertences. Na prefeitura sabemos que vamos ser ciceroneados por dona “Beta”, que ao descer de sua bandeirantes 4x4 perguntou se éramos “Sem-terra”, e assim ficamos esperando eles receberem o “atrasado” até às 17 horas e partimos no final da tarde, sob direção do Gilberson, um dos filhos de dona Beta, o outro chama-se Gilcleiton, este último conheço mais no mais a frente. Vamos conversando sobre nossa ida ao Tigre e eles vão se entusiasmando com nossas idéias e objetivos, e logo conheço a entrada para o “Pico do Paulo” e nele vamos subir em outro dia, pois a Beta nos ofereceu estadia e comida, e desta forma, respondemos com total disposição e atenção àquela família de Santa Maria, que vive na melhor casa do distrito.
Fato curioso ao esperarmos Karina na praça, Emerson foi comprar sandálias com Rienzy, e o chegar a uma das lojinhas levam uma bronca do vendedor, onde disse que o par de sandálias “havaianas” tradicional rosa era feminina. Tal fato quase se repete ao Karina auxiliar na compra, dizendo que as sandálias eram para ela, mesmo com o olhar de reprovação ao ver o pé dela e comparar como tamanho da sandália. Antes do extenso percurso mais de 34 quilômetros para Santa Maria, conversei com dona Lourdes, que me contava a realidade do campo, falou também sobre o desinteresse dos filhos em estudar, com o interesse em comprar gado. Disse que foi uma única vez a Campina Grande, e não tinha ido à João Pessoa e, conseqüentemente não tinha ido a praia. Um dos fatos que me impactou neste dia, e me fez refletir sobre as oportunidades poucas de valorizar a natureza, mais precisamente a Hidrosfera que toma por volta de 2/3 do planeta. Após ter ganhado confiança me conta um pouco de sua família, do sustento diário, da forma de vida, da infância, dos casamentos da região, da filha que era muda, dos familiares, da energia elétrica e do pai dela que é corcunda, da valorização do trabalho artístico, e do meu primeiro contato com a palavra Renascença, uma espécie de artesanato típico da região, tanto trabalhoso diria.
Na casa de dona “Beta”, após chegarmos logo de noite, temos como janta a sopa com creme de leite, sorda, queijo e pão. Um bate-papo legal na mesa, com um banquete de final de noite na janta, falando um pouco sobre a história da Paraíba. Conversamos também sobre a história do local. Após o jantar conhecemos diversas colchas de renascença, que são mostradas em outra mesa, feitas me alguns meses de trabalho, onde há valor principalmente histórico, desta forma priorizando o zelo à cultura da região, embora artesanatos obscuros, perdidos em armários, por não haver um típico específico de feira ou exposição que enfatize tais trabalhos.
Fotos antigas também foram observadas, da paisagem, e uma especial da Igreja que é o marco arquitetônico do distrito. A Igreja de São João do Tigre foi construída depois da Igreja do distrito de Santa Maria. Desta forma, a história de Santa Maria é mais antiga do que a de São João do Tigre. Segundo placa por trás da Igreja, a história religiosa do local tem início em 1860, podendo ser estendida ao passado.
A saída da cidade que fica ao lado de Pernambuco, tem como destino a cidade chamada Poção. O distrito é valorizado também pelas Serras circunvizinhas. Na placa que contém alguns fatos históricos do distrito conta que cangaceiros do grupo de Virgínio, promoveram atrocidades e matanças na região onde foram em busca de bens. Outro fato curioso é o cemitério atrás da Igreja, que não foi salvado, tendo ainda a construção de uma antena de telefone fixo e algumas árvores que podem ter influenciado a deterioração dos vestígios. Ainda no distrito de Santa Maria, famílias tradicionais ficaram esquecidas, devido ao desconhecimento literário completo dos sobrenomes, seja no distrito ou na cidade de São João do Tigre. O distrito é hospitaleiro, onde todos tem pronta disposição a ajudar, e recepcionar informando os forasteiros. A Igreja foi reformada ganhando formas modernas, onde há um padre temporário de Poção que celebra as missas. O povo é um tanto omisso na hora valorizar aquele hotspot histórico e biológico, os discursos são rodeados por normalidades para eles, que são tesouros para os que chegam à cidade. A conversa com dona Beta também rodeou a emancipação do distrito, com a futura prefeita, e risos tomaram conta da sala. Uma área intocada, onde somos os pioneiros a desbravar tal área, acampando ao lado do Pico do Paulo, melhor notícia impossível. O diálogo da população ante nossa ida desvaloriza-a, caracterizando o processo de desconhecimento e desvalorização da área, como bem expresso anteriormente. O material artesanal é vendido em Poção-PE, e diversos cursos são promovidos, embora em um grande intervalo de tempo. Os limites do distrito são ligados a Poção, Pesqueira Santa Cruz. O distrito cresce ao lado e a frente da Igreja. Há energia desde o final dos anos 80, iluminando a área. Antes havia um motor parecido com o barulho de cortadores de agave, em festa de padroeiro o motor era ligado, e quando acabava o combustível, acabava a festa. Os casais dançavam no claro, e namoravam após o motor ter parado. Durante a observação das fotos da casa de dona “Beta”, imagens de cadáveres apareceram nos álbuns mais antigos.
O tatu-peba que se encontrava atrás da casa, iria servir posteriormente de alimentação, exalando odor intenso e com um barulho parecido com um suíno, nos despedimos dele, embora com uma tremenda vontade de soltá-lo. Encontramos também no meio do caminho entre São João do Tigre e Santa Maria uma raposa. O conceito de que toda a casa do distrito tem armas é errôneo, só espingardas e 38, geralmente mantidas por caçadores. Mendigos são ausentes na região. Uma informação importante foi dita ao falarmos sobre o registro histórico do distrito onde havia um livro, do padre João Jorge, sobre a história clerical da Igreja de Santa Maria.
4 comentários:
Rapaz você devia ter dado uma de doido.. e soltado o tatu! Quando a mulher fosse ver ele ja tava longe! =DD
aeuhaeuhaeuhaehua
mas mto massa a historia viu! Um exemplo de como as cidades interioranas tem uma cultura própria tão bonita!
Enfim... Que venha o terceiro dia!
Realmente devia ter salo o tatu ahuahauah
Aqui perto de Santana há um sítio arqueológico, na cidade de Maravilha e Ouro Branco, ja ouviu falar?
Jorge e Thiago,
Senti muita vontade de abrir a porta e liberá-lo para natureza, mas sabe como é desculpa, ela tem perna curta, e logo nunca mais poderíamos entrar naquele recinto. Um dia temos de ir fazer uma desconstrução por aquelas bandas, de casa em casa. O triste é saber que eles comem mesmo o animal, e menos mal, não vendem.
Terrível e impactantes, para nós, seres do mundo urbano.
Bonita a história das cidades por onde vcs passaram.E principalmente de são joão do tigre, ainda retornarei a essa cidade e vou fazer como vcs pesquisar mais a cultura desta região onde meu pai atualmente está morando. Parabéns a vcs.Um forte abraço Paula de "são paulo"
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